"Respirar (Debaixo d'Água)" passa hoje

NATAÇÃO OBRIGATÓRIA

PEDRO aprendeu a respirar debaixo de água, isso não significa que não seja sempre arrastado pela corrente: nos dias de Verão, no rio, nos sonhos, em casa, na periferia de Coimbra, ou nos jogos de amor com uma rapariga. Quando, no final da curta-metragem "Respirar (Debaixo d'água)", de António Ferreira, deixamos Pedro (Alexandre Pinto, de "Os Mutantes", de Teresa Villaverde, e de "Mal", de Seixas Santos), o autocarro em que ele viaja desaparece numa lomba, como se se afundasse. "Pedro é alguém que está a ser sufocado, na relação com os pais, com a namorada", diz António Ferreira, 30 anos. "No final, a história fica em aberto, ele é levado como que pela corrente. Mesmo que saiba nadar, mesmo que seja forte, para ir sobrevivendo, é sempre levado. É como a vida: podemos resolver um problema, mas isso não significa que sejamos felizes."

"Respirar (Debaixo d'Agua)" é a participação portuguesa na secção competitiva Cinéfondation, que premeia curtas metragens de escolas de cinema ou primeiras obras de ficção e animação. António Ferreira, que vive entre Coimbra e Berlim, onde estudou na Academia para Cinema e Televisão, depois do curso da Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa - entidades que deram apoio logístico a esta produção subsidiada pelo ICAM e RTP, filma aqui a música dos dias que se estendem no Verão sufocante de um adolescente.

É assim que António Ferreira vê Coimbra? "Está ali um estilo de vida que reconheço, o deixar andar, estar à beira do rio e fumar um charro, o clima relaxado. Mas podia ser num sítio qualquer. O que me interessou foi filmar a forma como as pessoas se relacionam, e para isso é preciso tempo. Durante a rodagem, os planos começaram a crescer mais do que planeáramos (previsto para durar meia-hora, "Respirar..." acabou com 45 minutos). Senti necessidade de mostrar o mundo de Pedro, a vida dos jovens, as suas rotinas: vão sempre ao rio, sempre à tarde, e sempre no mesmo lugar. Como se fosse uma peça musical, com pedaços de instrumentalização mais forte e partes mais calmas. Coimbra, sufocante? "Ultimamente tem-se mostrado uma cidade aborrecida. Tudo o que sai de fora das actividades da Associação Académica é asfixiado".

Foi o autor do videoclip "Sunset Boulevard", dos Belle Chase Hotel, e ri-se quando, depois de dizer que "o que gostaria era de fazer um musical", lhe perguntamos se esse clip foi, para já, a forma de chegar perto disso. Falsa questão, porque musical também é a forma como as imagens e os sons se combinam em "Respirar..." "Fazia música antes do cinema, e gosto de contar imagens com a música. É extremamente importante o som, nos contrastes fortíssimos, como se fosse uma experiência musical. Gosto da leveza do rock, da ideia de que se pega numa guitarra, e pronto. Gosto de utilizar no cinema essa leveza". E do cinema de Lars von Trier e David Lynch e de todos os outros que esticam os limites". Está a escrever a sua estreia na longa-metragem, e pensa numa aula do cineasta Paulo Rocha para ilustrar a ideia de um bom filme. "Ele dizia que um bom fIlme é como um par de óculos. Depois de o vermos, vimos cá para fora e passamos a ver a realidade de forma diferente ". V .c.

"Público", por Vasco Câmara, 18.05.2001